O ataque à sede consular iraniana na Síria e à organização que trouxe alimentos para a Faixa de Gaza são dois episódios que apresentam semelhanças que não devem ser subestimadas na estratégia israelita a médio prazo. Na guerra, assim chamada por procuração, entre Tel Aviv e Teerão, ter atingido um quartel-general iraniano em território estrangeiro representa um novo nível para Israel; um dos principais objectivos pode ser procurar uma expansão do conflito que implique um maior envolvimento dos EUA a favor dos israelitas, especialmente depois de o Presidente Biden se ter distanciado dos métodos praticados em Gaza; Embora Washington alegue não ter sido avisado do ataque israelita, o governo de Tel Aviv parece ter utilizado este ataque para induzir os iranianos a condenar tanto Israel como os EUA, a fim de forçar os americanos a um apoio forçado contra o regime iraniano. Esta táctica apresenta a clara intenção de protelar enquanto se espera pelos resultados eleitorais nos EUA, onde uma possível afirmação de Trump é vista como mais favorável à causa israelita, no entanto o risco de uma expansão do conflito está implícito na acção de Tel Aviv e isso implica agravar ainda mais problemas comerciais no Golfo Pérsico, pelos quais Israel, mais cedo ou mais tarde, terá de responder. Além disso, é concebível que outros intervenientes estejam envolvidos, tanto indirecta como directamente, num agravamento da crise no Médio Oriente. Deve recordar-se que o principal aliado da Síria, além do Irão, é a Rússia, mesmo que no actual Numa situação em que não parece possível um envolvimento directo de Moscovo, parece possível uma ligação cada vez mais estreita entre Teerão e a Rússia, com colaborações cada vez maiores, especialmente no sector do armamento, com efeitos directos noutros conflitos em curso. Um dos desenvolvimentos mais previsíveis é o aumento das ações de milícias próximas dos iranianos, tanto contra Israel como contra bases americanas no Médio Oriente. A duplicação da frente, para além da de Gaza, também da síria, contra a qual Israel terá de se medir, é funcional para o governo em exercício e para o seu Primeiro-Ministro, que não quer eleições, que certamente desejaria perder e que daria origem a processos judiciais em que está implicado. O que é sacrificado, não só aos interesses israelitas, mas também aos interesses políticos partidários específicos, é a paz na região do Médio Oriente e também no mundo, criando as condições para uma instabilidade total. Se, para manter os EUA apreensivos, não hesitaram em ir contra o direito internacional, cometendo o erro de terem atacado uma organização não governamental num terceiro país, embora aliado dos iranianos, na frente de Gaza, parece igualmente funcional aos interesses de Tel Aviv: de facto, duas outras organizações anunciaram que abandonarão a Faixa de Gaza, devido à situação ser demasiado perigosa para o seu pessoal; isto significa a subtração de grandes reservas de alimentos a uma população já gravemente afetada pela escassez de alimentos e em condições precárias de saúde e higiene. A situação, agravada pela ausência de organizações não governamentais, afecta não só a população civil, mas também o Hamas, que, para além da distância cada vez maior dos habitantes de Gaza, não pode beneficiar da ajuda internacional; no entanto, este elemento é apenas um acréscimo à conduta normal de Israel, que empreendeu durante algum tempo, muito antes dos acontecimentos de 7 de Outubro, uma política de gestão dos recursos alimentares a serem atribuídos à Faixa de Gaza, com claras intenções regulatórias descendentes. Em 2012, na sequência de uma organização de direitos humanos, Tel Aviv foi forçada a publicar o seu próprio documento de 2008, que estabelecia as calorias que as pessoas deveriam dar aos habitantes da Faixa, alimentos que excluíam os considerados não essenciais. Apesar das desculpas forçadas das forças armadas israelitas, as formas como os veículos da organização não governamental foram atingidos deixam muitas dúvidas sobre a voluntariedade do bloqueio de uma missão, com as repercussões óbvias, o que prontamente ocorreu. De pouco adianta dizer que o clamor causado se deve às vítimas ocidentais, de formas semelhantes, que causaram mais de 30 mil mortes de civis, não houve sequer desculpas. Os países civilizados deveriam sancionar Israel por esta conduta impune.